VANUSA, BLACK SABBATH
E UMA INVESTIGAÇÃO FRACASSADA
Filipe Albuquerque
Em maio de 2017, entrei em contato com a empresária da Vanusa. A intenção era contar a história do disco Vanusa (Continental), de 1973, do hit “Manhãs de Setembro” e da misteriosa “What to do”, que apresentou, meses antes do Black Sabbath, o riff de guitarra reconhecido no mundo todo como o de “Sabbath Bloody Sabbath”. Vanusa já enfrentava problemas de saúde naquele ano, quando eu a procurei. A empresária da cantora disse que ela provavelmente não teria lembranças daquele álbum, e que talvez não soubesse dizer quem era o guitarrista que criou o riff que, supõem alguns, teria sido chupado por Tony Iommi para a faixa que deu título ao quinto álbum da banda inglesa. Mas sugeriu que eu mandasse algumas perguntas por email. Enviei umas 25, sobre a carreira dela nos anos 70, sobre o disco e sobre a música. Ela nunca respondeu.
Quarto disco da cantora, Vanusa foi lançado pela RCA em setembro de 1973. Sabbath Bloody Sabbath é de dezembro do mesmo ano. Segundo Black Sabbath: a biografia, de Mick Wall, Tony enfrentava um processo de bloqueio criativo depois de quatro discos lançados. A faixa que dá título ao álbum teria salvado a banda de um período obscuro. Afundada em cocaína e paranoia, a banda não conseguia produzir algo que prestasse para o quinto disco, à altura dos trabalhos anteriores. “A gente passava o dia todo peidando e terminava sem nada utilizável”, contou Tony a Wall. O biógrafo lembra que depois de acertarem a faixa-título, a de riff quase igual ao de “What to do”, as demais músicas do disco saíram com a rapidez que a banda precisava.
A biografia lembra ainda que Iommi era filho de imigrantes italianos e brasileiros. Já na autobiografia Iron Man: minha jornada com o Black Sabbath, o guitarrista diz achar que sua avó paterna teria nascido no Brasil, mas o pai já teria nascido na Inglaterra. Mas não há registro algum de que Iommi tenha tido acesso ao disco da Vanusa. O intervalo entre o lançamento dos discos é mínimo. Difícil imaginar que o inglês tenha tungado o riff, e é pouco provável que um vazamento típico dessa era de internet teria oferecido aos músicos da cantora ou aos autores da música a chance de ouvir a faixa do Sabbath ainda não lançada.
Enquanto aguardava as respostas da Vanusa, que nunca vieram, fiz contato com Luis Vagner. O guitarreiro gaúcho, peso pesado do samba rock, que tocou com um monte de gente – Jorge Ben, Tim Maia, Lupicínio Rodrigues e César Camargo Mariano – foi integrante d’Os Brasas, banda de apoio da Vanusa nos dois primeiros discos da cantora, Mundo Colorido, 1968, e Caminhemos, de 1969, ambos lançados pela RCA. Além de Luis Vagner na guitarra, a banda – que antes se chamava The Jetsons – era Anyres Rodrigues (guitarra), Franco Scornavacca (baixo) e Eddy (bateria).
“Não, meu amigo, gravamos muitas coisas juntos mas esse, não”, me disse Vagner pelo Facebook. Ele não tinha informação sobre a banda que gravou com Vanusa o álbum de 1973. Recorri então a Nélio Rodrigues, um dos caras que mais conhece sobre as raízes do rock brasileiro, psicodelia, o circuito das domingueiras, e é autor do livro Histórias Secretas do Rock Brasileiro. Nélio também não sabia.
Vanusa, de 1973, é artigo de colecionador. Raro, o site discogs tem seis unidades à venda, que variam de US$ 5 (sem capa, só o lp) a R$ 300. E é feito de sopros, cordas e orquestrações. Com referências evidentes à música pop feita naquele período – ecos da soul music e do R&B da Motown, ao blues/hard rock dos grupos ingleses.
As fotos do encarte do disco em um anúncio no Mercado Livre não traziam o nome dos integrantes da banda que gravou o disco com a cantora. Mas o selo do álbum mostrava o nome dos compositores das músicas do disco, incluindo “What to do”: Papi e Alfie Soares. Papi é coautor ainda de “Entre cinzas”, com Carlos Couto, última faixa do disco.
Em maio de 2016, Vanusa contou ao site Plus55.com que ouvira a música do Black Sabbath havia dois anos, e até então não fazia ideia da semelhança entre elas. E entendeu a similaridade como “coincidência musical”. “Eu ouvi a música pela primeira vez há uns dois anos, e eu fiquei convencida de que eles não me copiaram nem meus compositores os copiaram”.
Via redes sociais, cheguei ao perfil de Alfie Soares. Mandei mensagem sugerindo uma conversa sobre a música, mas ele nunca retornou.
Vanusa morreu na madrugada de ontem, domingo, 8 de novembro, em Santos, litoral paulista. Dois meses depois das “Manhãs de setembro”, hit do disco de 1973 e uma das grandes pérolas escondidas do pop nacional.
Alex Antunes, crítico de música e um dos artífices do pós-punk paulista nos anos 80, lembrou de "My size", faixa de Smash your head against the wall, disco solo obscuro de John Entwistle, baixista do Who, lançado em 1971, como uma possível inspiração tanto para os compositores de "What to do" quanto para "Sabbath bloody sabbath". Ouça e compare.